Os
Incoterms têm sido um solo fértil para discussões assim como as cartas de
crédito o são para as discrepâncias. E quando Incoterms e cartas de crédito se
encontram, as complicações aumentam.
Os
Incoterms são um conjunto de regras uniformizadoras que disciplinam as
condições de venda, oferecendo a vendedores e compradores uma forma padronizada
para divisão exata dos custos e riscos das suas operações. Para facilitar, cada
regra (ou condição ou termo de negócio) é identificada por três letras
maiúsculas extraídas da sua nomenclatura no idioma inglês. Por exemplo, FCA identifica a condição Free CArrier; F0B, Free On Board; CFR, Cost and FReight. Os Incoterms, na sua versão 2010, apresentam 11
condições diferentes.
A
condição FCA, por exemplo, inclui todos os custos e riscos de perdas e danos
até que a mercadoria seja entregue ao transportador, desembaraçada para
exportação. Inclui também o carregamento no veículo transportador quando a
entrega se dá nas dependências do vendedor. Este, todavia, não precisa
demonstrar a composição de seu preço.
Por
exemplo, em uma venda USD 25,000.00/FCA/Aeroporto de Guarulhos, o vendedor não
precisa identificar o custo da embalagem e o custo do frete interno (inland freight), bem como qualquer outro
gasto até o aeroporto de Guarulhos. E, normalmente, tais gastos não são
identificados. Tudo isto por conta do chamado conceito de “preço fechado” que
orienta a utilização dos Incoterms. Ou seja, ninguém é obrigado a informar a
composição do seu preço. Porém, é preciso deixar claro que isto não é
proibido!
Estas
questões podem assumir maior complexidade quando as operações são conduzidas ao
amparo de cartas de crédito ou créditos documentários, os quais são
regulamentados pela UCP 600, da CCI – Câmara de Comércio Internacional, Paris,
a mesma entidade que publica os Incoterms.
Registre-se,
a UCP é um regulamento bastante complexo, especialmente no que se refere aos
artigos 14 ao 28, que disciplinam a elaboração e a análise dos documentos.
Aliás, isto não constitui novidade. Tanto é que ainda nos tempos da UCP 500, em
decorrência da multiplicidade de interpretações da parte dos bancos, a CCI, a
partir de estudos promovidos por um grupo de trabalho, editou em 2002 a ISBP
645 que, com o advento da UCP 600, sofreu uma revisão em 2007, dando lugar a
ISBP 681 (que, a propósito, está dando lugar a uma nova revisão). Registre-se,
também, que a ISBP 681 deve ser utilizada sempre em conjunto com a UCP 600. Se
esta não é muito clara,
buscam-se as respostas naquela.
O
problema é que a ISBP também tem sido objeto de interpretação por alguns
bancos. Um exemplo ocorre com a questão relacionada aos Incoterms,
anteriormente citada.
Tomando
por base uma carta de crédito que indique no seu Campo “45A-Description of Goods: ... USD
100,000.00/FOB/Santos”, alguns bancos têm apontado discrepância quando a fatura comercial
apresentada demonstra a composição do preço, como abaixo:
Preço fábrica: USD 95,000.00
Embalagem: USD
1,500.00
Frete interno: USD 3,000.00
Outros gastos: USD 500.00
FOB/Santos: USD 100,000.00
Pelo menos três bancos justificaram o apontamento de discrepância com base
no Parágrafo 61 da ISBP que, no seu original em ingles, precreve: “If a trade term is part of the goods
description in the credit, or stated in connection with the amount, the invoice
must state the trade term specified, and if the description provides the source
of the trade term, the same source must be identified (e.g., a credit term “CIF
Singapore Incoterms 2000” would not be satisfied by “CIF Singapore Incoterms”).
Charges and costs must be included within the value
shown against the stated trade term in the credit and invoice. Any charges and costs shown beyond
this value are not allowed.” Grifo meu.
O entendimento, segundo esses bancos, é que qualquer gasto ou custo
sempre deve estar “escondido” no preço Incoterm indicado e, portanto, nenhuma
demonstração de sua composição pode ser feita. E que nenhum gasto ou custo além
da condição Incoterm pode ser apresentado.
Parece haver interpretação diversa do que as regras estabelecem, a
saber:
1. Com relação aos Incoterms,
parece absurdo entender proibida a demonstração da composição do preço. Se isso
fosse verdadeiro, a demonstração de um CIF mostrando FOB, seguro e frete sempre
deveria ser, também, tomada como discrepância.
2. Com relação à ISBP, também
parece haver uma leitura equivocada, porquanto a demonstração no exemplo acima
informa gastos e custos gerados antes do preço Incoterm indicado na carta de
crédito.
3. E o Parágrafo 61 termina
dizendo que não se pode mencionar nenhum custo ou despesa além desse valor,
ou seja nada que não seja próprio do termo utilizado.
Assim,
salvo melhor juízo e à luz do que foi relatado, o entendimento é o de que, neste caso, não
procede o apontamento de discrepância de vez que não foram mencionados gastos ou custos além daqueles que são próprios do termo referido no crédito.
(Publicado simultaneamente no Blog www.cartadecredito.blogspot.com)
ANGELO L. LUNARDI
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