segunda-feira, 29 de abril de 2013

INCOTERMS, CARTAS DE CRÉDITO E DISCREPÂNCIAS


Os Incoterms têm sido um solo fértil para discussões assim como as cartas de crédito o são para as discrepâncias. E quando Incoterms e cartas de crédito se encontram, as complicações aumentam.

Os Incoterms são um conjunto de regras uniformizadoras que disciplinam as condições de venda, oferecendo a vendedores e compradores uma forma padronizada para divisão exata dos custos e riscos das suas operações. Para facilitar, cada regra (ou condição ou termo de negócio) é identificada por três letras maiúsculas extraídas da sua nomenclatura no idioma inglês. Por exemplo, FCA identifica a condição Free CArrier; F0B, Free On Board; CFR, Cost and FReight.  Os Incoterms, na sua versão 2010, apresentam 11 condições diferentes.

A condição FCA, por exemplo, inclui todos os custos e riscos de perdas e danos até que a mercadoria seja entregue ao transportador, desembaraçada para exportação. Inclui também o carregamento no veículo transportador quando a entrega se dá nas dependências do vendedor. Este, todavia, não precisa demonstrar a composição de seu preço.

Por exemplo, em uma venda USD 25,000.00/FCA/Aeroporto de Guarulhos, o vendedor não precisa identificar o custo da embalagem e o custo do frete interno (inland freight), bem como qualquer outro gasto até o aeroporto de Guarulhos. E, normalmente, tais gastos não são identificados. Tudo isto por conta do chamado conceito de “preço fechado” que orienta a utilização dos Incoterms. Ou seja, ninguém é obrigado a informar a composição do seu preço. Porém, é preciso deixar claro que isto não é proibido!

Estas questões podem assumir maior complexidade quando as operações são conduzidas ao amparo de cartas de crédito ou créditos documentários, os quais são regulamentados pela UCP 600, da CCI – Câmara de Comércio Internacional, Paris, a mesma entidade que publica os Incoterms.

Registre-se, a UCP é um regulamento bastante complexo, especialmente no que se refere aos artigos 14 ao 28, que disciplinam a elaboração e a análise dos documentos. Aliás, isto não constitui novidade. Tanto é que ainda nos tempos da UCP 500, em decorrência da multiplicidade de interpretações da parte dos bancos, a CCI, a partir de estudos promovidos por um grupo de trabalho, editou em 2002 a ISBP 645 que, com o advento da UCP 600, sofreu uma revisão em 2007, dando lugar a ISBP 681 (que, a propósito, está dando lugar a uma nova revisão). Registre-se, também, que a ISBP 681 deve ser utilizada sempre em conjunto com a UCP 600. Se esta não é muito clara, buscam-se as respostas naquela.

O problema é que a ISBP também tem sido objeto de interpretação por alguns bancos. Um exemplo ocorre com a questão relacionada aos Incoterms, anteriormente citada.

Tomando por base uma carta de crédito que indique no seu Campo “45A-Description of Goods: ... USD 100,000.00/FOB/Santos”, alguns bancos têm apontado discrepância quando a fatura comercial apresentada demonstra a composição do preço, como abaixo:

Preço fábrica:        USD   95,000.00
Embalagem:            USD      1,500.00
Frete interno:         USD      3,000.00
Outros gastos:       USD          500.00
FOB/Santos:           USD  100,000.00

Pelo menos três bancos justificaram o apontamento de discrepância com base no Parágrafo 61 da ISBP que, no seu original em ingles, precreve: “If a trade term is part of the goods description in the credit, or stated in connection with the amount, the invoice must state the trade term specified, and if the description provides the source of the trade term, the same source must be identified (e.g., a credit term “CIF Singapore Incoterms 2000” would not be satisfied by “CIF Singapore Incoterms”). Charges and costs must be included within the value shown against the stated trade term in the credit and invoice. Any charges and costs shown beyond this value are not allowed. Grifo meu.

O entendimento, segundo esses bancos, é que qualquer gasto ou custo sempre deve estar “escondido” no preço Incoterm indicado e, portanto, nenhuma demonstração de sua composição pode ser feita. E que nenhum gasto ou custo além da condição Incoterm pode ser apresentado.

Parece haver interpretação diversa do que as regras estabelecem, a saber:

1.       Com relação aos Incoterms, parece absurdo entender proibida a demonstração da composição do preço. Se isso fosse verdadeiro, a demonstração de um CIF mostrando FOB, seguro e frete sempre deveria ser, também, tomada como discrepância.

2.       Com relação à ISBP, também parece haver uma leitura equivocada, porquanto a demonstração no exemplo acima informa gastos e custos gerados antes do preço Incoterm indicado na carta de crédito.

3.       E o Parágrafo 61 termina dizendo que não se pode mencionar nenhum custo ou despesa além desse valor, ou seja nada que não seja próprio do termo utilizado.

Assim, salvo melhor juízo e à luz do que foi relatado, o entendimento é o de que, neste caso, não procede o apontamento de discrepância de vez que não foram mencionados gastos ou custos além daqueles que são próprios do termo referido no crédito.
(Publicado simultaneamente no Blog www.cartadecredito.blogspot.com)

ANGELO L. LUNARDI
Consultoria e Formação Profissional
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Tel. 11-98265-5665
E-mail: lunardi.lunardi@hotmail.com


quarta-feira, 10 de abril de 2013

INCOTERM, RECEITA DE EXPORTAÇÃO E ESTOQUE


Os Incoterms nada mais são que uma interpretação padronizada pela CCI – Câmara de Comércio Internacional, Paris, para termos de negócio (trade terms), ou, ainda, são termos de entrega (delivery terms) de mercadorias.

Eles fornecem regras que permitem às partes, em um contrato de compra e venda de mercadorias, identificar, com precisão, o que compete ao vendedor e ao comprador. Em outras palavras, o que está contido no preço. Também e com a mesma precisão, permitem identificar quando os riscos de perdas ou danos sobre as mercadorias são transferidos do vendedor para o comprador.

Os Incoterms apresentam 11 regras ou condições diferentes, cabendo aos vendedores e compradores escolherem a regra mais apropriada para as suas operações.

A CCI, na sua Publicação 715 ou, simplesmente, Incoterms 2010, estabelece que “a escolha do termo deve ser adequada aos bens, também deve levar em conta os meios de transporte e, sobretudo, as obrigações que as partes desejam assumir, tais como, a obrigação de contratar transporte e seguro pelo vendedor ou comprador”.


Este articulista, ao tratar da questão no seu livro “Condições Internacionais de Compra e Venda – Incoterms 2010”, faz uma análise mais profunda desta questão. Orienta no sentido de que a escolha deve levar em conta, também, “aspectos contábeis, fiscais e estoque”. Alerta para o fato de que “os Incoterms têm sido utilizados para reconhecimento da receita de exportação no momento em que ocorre a transferência de riscos de perda ou dano às mercadorias. O mesmo evento serve, também, para reconhecimento de estoque, pelo comprador”. Alerta, também, que estas questões devem ser tratadas pela lei local aplicável.

Isto posto, para que se utilize as regras dos Incoterms como base para a contabilização das receitas decorrentes das vendas, é necessário verificar onde – em cada termo – os riscos são transferidos do vendedor para o comprador.


Grupo
Termo
“Entrega”: transferência de risco
E
Partida, na origem
EXW
No domicílio do vendedor, como regra geral
“F
 sem pagamento do transporte principal
FCA

FAS

FOB
Ao transportador, carregado, ou não, conforme o caso

Ao longo do costado do navio, no porto de embarque, no cais ou em uma barcaça

A bordo do navio, no porto de embarque
C
Com transporte principal pago
CFR

CPT

CIF

CIP
A bordo do navio, no porto de embarque

Ao transportador

A bordo do navio, no porto de embarque

Ao transportador
D
Chegada
DAT


DAP

DDP
Terminal do porto ou local de destino, descarregado – país de importação

No local de destino designado – país de importação

No local de destino designado – país de importação

Observar que, conforme indica o quadro acima, em regra, os bens negociados nas condições “E”, “F” e “C” têm a sua “entrega” ainda no país de exportação. Já nos termos de letra “D” a entrega se dá no destino, no país de importação. Observar, ainda, que o país de importação pode ser diferente do país do comprador.

Recorrendo mais uma vez à Publicação 715, da CCI, faz-se necessário esclarecer que o termo “entrega” (delivery), apesar das múltiplas definições encontradas nas legislações e práticas comerciais, para os Incoterms 2010 significa tão-somente o lugar onde os riscos de perda ou dano às mercadorias são transferidos do vendedor para o comprador.
  

Considerando que o dono do risco é o dono da carga ou, pelo menos, já tem a sua posse, vale dizer que ao transferir o risco, vendedor já tem como líquido e certo o direito – e a obrigação – de registrar a receita da venda, ou melhor dizendo, de sua exportação. Salvo melhor juízo, nesse momento é que se cumprem os requisitos previstos no item 14 do CPC 30 (Comitê de Pronunciamentos Contábeis), em consonância com as disposições do GAAP – Generally Accepted Accounting Principles. A contrario sensu, não poderá registrar a receita antes da transferência do risco.

Assim, sendo, parece razoável concluir que em uma venda EXW o vendedor deve reconhecer sua receita quando entrega a mercadoria ao comprador, em seu domicílio. Numa venda FOB, quando entrega a mercadoria a bordo do navio.

E, em vendas DAP, DAT e DDP, somente quando entregar a mercadoria no local de destino combinado, no país de importação. Até lá teria registros de exportação em trânsito. Mas, ...

Mas há no Brasil um conflito de entendimento quanto ao momento de se reconhecer a receita das vendas. O Fisco nacional entende ser fato relevante o faturamento e não leva em conta a transferência do risco. E isto parece conflitar com o entendimento de entidades como Ibracon e CVM.

Considerando a prevalência e imposição do entendimento do Fisco Nacional, certamente as empresas terão um sério problema com suas auditorias quando se tratar, especialmente, de operações internacionais realizadas entre matriz e filiais ou entre coligadas.

E não só os exportadores com suas receitas, mas os importadores com o seu estoque!

Tendo em vista tamanha controvérsia, com a palavra os contabilistas!

ANGELO L. LUNARDI
Incoterms - Câmbio - Contratos - Pagamentos Internacionais
Consultoria & Formação Profissional
lunardi.lunardi@hotmail.com
Tel. 11-98265-5665